BOEMIA
Nacredito, parem o mundo que eu quero descer, e olha que eu nem peguei o bonde andando, mas sentei na “janelinha”.
Aprendi, se é que isso se aprende, como se fosse algo à ser ensinado como em sala de aula, a ser boêmio num destes dias da vida, e toda aquela curiosidade que as pessoas tem do “porquê” tomar cerveja mesmo sabendo que ela é amarga e depois a gente não para de ir ao banheiro. Mesmo sendo ainda um tanto quanto jovem, e totalmente despreocupado com as letras, eu já seguia os caminhos dantes trilhados por escritores, músicos e poetas, antecipando a boemia à maquina de escrever (sim, naquela época nem tinha o tal do computador), como se colocasse a carroça na frente dos burros.
Em sendo assim, logo entendi os fundamentos e princípios da boemia, tal qual o maior de todos: conversa em mesa de bar nunca deve ter função, sequer objetivo claro. Ela nunca é totalmente negada, nem absolutamente concordada, afinal todo mundo sempre entende um pouco de tudo nestas horas, e principalmente, tais comentários nunca devem ser definitivos, assim como aquela porçãozinha de mandioca acompanhada da saideira.
Conversa de mesa, segundo o estatuto da boemia, pode versar sobre qualquer assunto, as opiniões podem ser diversas, os times diferentes, mas o que importa mesmo é que possamos exercer sempre essa vocação, e que os assuntos discutidos nunca cheguem a ser resolvidos. Mas a conversa tem que ser da melhor qualidade, senão o chope fica aguado, a fritas murcha, o amendoim salgado demais, e, nacredito, a conta parece mais alta que devia.
Já vi de tudo e mais um pouco nestas noites de boemia. Vi bêbedos (que é totalmente diferente de boêmio) desempregados em pleno dia de semana, muitas vezes até com o sol à pique; apaixonados amarrando as mágoas, e mal conseguindo amarrar o próprio sapato; idealistas e tantos outros sonhadores, escritores, poetas e tantos outros patetas; ouvi por inúmeras vezes que eu “era considerado” de alguém que puxara a cadeira pra sentar e nem me conhecia, e de tantos outros que achei que ao menos conhecia um pouco e muito me decepcionei. Tive amores, tive dores, houve épocas em que eu funcionava melhor à noite, e noutras, nacredito, sequer via o dia alvorecer.
De certo mesmo que a boemia é um estado de espírito, e, diferentemente do que se imagina por aí ou se diz em “bocas-de-matildes”, deve ser levada à sério, tem toda aquela mística de encontrar os amigos, colocar a conversa em dia, fazer um pouco de intriga da vida dos outros (afinal homem e gente de bem não faz fofoca, e sim “intriga da vida alheia”), falar de algumas realizações, outros fracassos ou sentar pra ver o mar ou a chuva sozinho, e pra tornar tudo isso mais prazeroso a gente aproveita e entorna um ou outro gole, belisca um tremoço ou simplesmente vê o mulheril passar.
Dizia uma música, ao falar da boemia, e existem tantas outras, assim como os livros que compõem as vastas bibliotecas, que o “preto” bebe porque gosta, e o “branco” porque aprecia, e entre gostar e apreciar, sinceramente, muitos de nós acabamos bebendo simplesmente porque é líquido, e, ademais, “fi-lo porque qui-lo”, como já dizia desde antes da ditadura o finado Jânio Quadros. Ah, e só pra não perder a piada, já que falávamos do tal do Jânio, “..., “bebo que é líquido, porque se fosse sólido eu comê-lo-ia”, hehehe, nacredito.
E só pra terminar, já que falávamos em boemia, lembro um desejo, destes feitos em mesa de jantar, copos na mão e brinde entre os amigos, do filme “Troia”, desejando a todos “Que os Deuses mantenham os lobos nas colinas e as mulheres em nossas camas”. Estão vendo, a boemia alem de tudo é fraternal, de desejos de bom grado àqueles que nos aquecem o peito, e preferem sempre a loira mais gelada do canto do freezer.
Ok, ok, só pra não perder o costume, enquanto gela a cerveja, e frita a polentinha: “que nossos filhos tenham os pais ricos e as mães cuidadosas”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário